O USO DOS CHAMADOS AGENTES ERGOGÊNICOS NO esporte de alto rendimento desencadeou um processo que representa atualmente uma das grandes preocupações na área das Ciências do Esporte, tanto no que diz respeito ao combate ao doping, como também no âmbito do uso indiscriminado de drogas e suplementos nutricionais com objetivos puramente estéticos.
A Medicina Esportiva estabelece um conceito para o termo "agente ergogênico" que abrange todo e qualquer mecanismo, efeito fisiológico, nutricional ou farmacológico que seja capaz de melhorar a performance nas atividades físicas esportivas, ou mesmo ocupacionais.
Dessa forma, podemos subdividir os agentes ergogênicos em 3 grupos:
a) fisiológicos; b) nutricionais; c) farmacológicos.
Os agentes ergogênicos fisiológicos incluem todo mecanismo ou adaptação fisiológica de melhorar o desempenho físico. O próprio treinamento pode ser visto como um agente ergogênico fisiológico. A adaptação crônica à altitude, ao promover um aumento de glóbulos vermelhos, atua como um agente ergogênico fisiológico na medida em que o retorno a baixas altitudes propicia uma melhora do desempenho físico aeróbio nos primeiros dias subseqüentes ao retorno, enquanto a capacidade de transporte de oxigênio pelo sangue permanecer aumentada.
Os agentes ergogênicos nutricionais caracterizam-se pela aplicação de estratégias e pelo consumo de nutrientes com grau de eficiência extremamente variável. Os consumidores de suplementos nutricionais geralmente utilizam estas substâncias em doses muito acima do recomendável, o que também se constitui em uma preocupação, apesar de grandes controvérsias quanto aos eventuais problemas à saúde conseqüentes ao abuso. Para se ter uma idéia do consumo de suplementos por atletas, um artigo recente (1) relatou que entre 100 atletas noruegueses de vários esportes de nível nacional, 84 usavam algum tipo de suplemento nutricional. Muitos atletas usavam vários suplementos nutricionais, a grande maioria dos quais não apresenta qualquer comprovação científica de efetividade ergogênica. Usando uma linguagem leiga, parece uma eterna busca do "espinafre do Popeye".
Apesar do uso de suplementos mostrar maior prevalência em atletas, principalmente atletas de elite, Sobal e Marquart já relatavam em trabalho publicado em 1994 (2) uma incidência de 40% de consumidores de suplementos nutricionais na população não atleta de praticantes de atividades físicas. Em levantadores de peso, Burke e Read, em 1993 (3), constataram uma incidência de consumo de 100%.
Do verdadeiro arsenal de suplementos nutricionais que encontramos no mercado, o único que tem efeito ergogênico comprovado cientificamente é a creatina (4,5), que tem se constituído no recurso interativo com o treinamento atualmente mais utilizado para aumento de massa muscular. O seu consumo nos Estados Unidos já havia ultrapassado as 300 toneladas somente em 1997. Apesar da literatura não relatar efeitos colaterais relacionados ao seu uso, as conseqüências de eventuais superdosagens ou uso por períodos de tempo extremamente prolongados ainda requer um certo cuidado. A preocupação nestes casos não está restrita ao consumo por parte de atletas. O aumento de massa muscular promovido pela suplementação de creatina constitui-se em um efeito extremamente sedutor para os que praticam exercícios com objetivos prioritariamente estéticos e que muitas vezes relegam a saúde a um plano secundário.
Os agentes ergogênicos farmacológicos constituem-se, sem dúvida, no maior problema para a saúde, a ética e a própria legislação esportiva.
O capítulo da luta contra o doping no esporte tem se constituído no lado mais tenebroso dessa área e nos leva a cada vez mais questionar, no âmbito do esporte de alto rendimento, a afirmação de que esporte é saúde. Sem sombra de dúvida, dentre os agentes ergogênicos farmacológicos os esteróides anabólicos ocupam o lugar principal. Seu potente efeito anabolizante associado à prática de exercícios com pesos, acena com a promessa do record para o atleta e do "corpo perfeito" para o "malhador" de academia. Infelizmente, cada vez mais o efeito terapêutico dos anabolizantes é desvirtuado a ponto da própria concepção leiga do seu nome ser associada à um perigo iminente, o que de fato se justifica em decorrência dos abusos cometidos e dos episódios trágicos freqüentemente relatados. Chega-se a criar até um certo terrorismo, associando o uso de qualquer suplemento nutricional como o primeiro passo para o consumo de esteróides anabólicos.
Talvez o maior problema em todo este contexto dos agentes ergogênicos seja o perigo de se minimizar os efeitos do treinamento físico. Na medida em que os atletas cada vez mais recorrem ao seu uso, o indivíduo comum parece ser levado a acreditar que exercício só tem efeito se associado a algum recurso ergogênico. A eficácia do treinamento associado a uma dieta balanceada parece cada vez ser mais questionada pela população.
Como um verdadeiro "antídoto" a esta tendência, o artigo de Brasil e cols (6), publicado nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia, vem enfatizar a importância terapêutica dos efeitos de um programa de exercícios com pesos em pacientes adultos portadores da síndrome da deficiência do hormônio do crescimento, sem reposição hormonal.
A literatura descreve o aumento de massa gorda e diminuição da massa muscular com diminuição de força e maior fadiga nestes pacientes (7-9). Os benefícios da reposição hormonal são responsáveis por praticamente reverter estas alterações. Esta reversão deve-se, fundamentalmente, aos efeitos anabólicos do GH (10).
No estudo de Brasil e cols (6), 11 pacientes adultos com deficiência de GH foram submetidos a um programa de 12 semanas de exercícios com peso, sem reposição hormonal. Ao final do programa, os pacientes apresentaram redução de gordura na região do tronco, apesar do programa ter sido restritivo a exercícios de força, não visando propriamente uma redução da massa gorda, e sim uma melhora da potência muscular.
O aspecto interessante é que o programa promoveu uma melhora significativa na potência muscular, com sensível repercussão na melhora da qualidade de vida, sem promover aumento da massa muscular. Os autores atribuem este efeito às adaptações associadas a um melhor recrutamento das fibras musculares, melhor relaxamento dos músculos antagonistas aos movimentos e um ganho de propriedades contráteis das fibras, como aumento relativo nas áreas das fibras do tipo 1, menor utilização de glicogênio pela célula muscular, e aumento das enzimas do ciclo de Krebs e do número e volume de mitocôndrias.
A indicação de exercícios para estes pacientes é proposta pelos autores como uma alternativa terapêutica para a melhora da qualidade de vida quando não for possível a reposição de GH.
Já para as ciências do esporte, o artigo pode ser visto como uma evidência importante para resgatar os benefícios que os programas de exercício podem trazer e que são efetivamente os efeitos ergogênicos fisiológicos que devem ser valorizados e difundidos.
Referências
1. Rosen O, Sudgot-Borgen J, Maehlum S. Supplement use and nutritional habits in Norwegian elite athletes. Scand J Med Sci Sports 1999;9:28-35.
2. Sobal J, Marquart LF. Vitamin/mineral supplement use among athletes: a review of the literature. Int J Sport Nutr 1994;4:320-4.
3. Burke LM, Read RSD. Dietary supplements in sports. Sports Med 1993;15:43-65.
4. Maughan RJ. Creatine supplementation and exercise performance. Int J Sport Nutr 1995;5:94-101.
5. Odland LM, MacDougall JD, Tarnopolsky M, Eloraggia A, Borgman A, Atkinson S. The effect of oral Creatine supplementation on muscle [PCr] and power output during a short-term maximal cycling task. Med Sci Sports Ex 1994;26:S23.
6. Brasil RRLO, Conceição FL, Coelho CW, Rebello CV, Araújo CGS, Vaisman M. Efeitos do treinamento físico contra resistência sobre a composição corporal e a potência muscular em adultos deficientes de hormônio do crescimento. Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45: - .
7. Cuneo R, Salomon F, Wiles C, Hesp R, Sonksen P. Growth hormone treatment in growth hormone-deficient adult. I. Effects of muscle mass and strength. J Appl Physiol 1991;70:688-94.
8. Salomon F, Cuneo R, Hesp R, Sonksen P. The effects of treatment with recombinant human growth hormone on body composition and metabolism in adults with growth hormone deficiency. N Engl J Med 1989;321:1797-803.
9. Jorgensen J, Moller J, Wolthers T, Vahl N, Juul A, Skakkebaek N, et al. Growth hormone (GH) deficiency in adults: Clinical features and effects of GH substitution. J Pediatr Endocrinol 1994;7(4):283-93.
10. Powrie J, Weissberger A. A growth hormone replacement therapy for growth hormone-deficient adults. Drugs 1995;49(5):656-63.
POR:
Turibio Leite de Barros Neto
Professor Adjunto do Departamento de
Fisiologia, Coordenador do Centro de
Medicina da Atividade Física e do
Esporte – CEMAFE, da Universidade
Federal de São Paulo, Escola Paulista de
Medicina, São Paulo, SP
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